Um dia, você abrirá as pálpebras, espreguiçará em meio a bocejos. Colocará os pés no chão e caminhará depressa até o banheiro. Mergulhará seu rosto em água, espelhar-se-á e contará, se puder, as rugas. Nesse mesme instante, calculará quantos minutos ainda faltam para a vela do jantar romântico da madrugada, apagar-se no que restará do pavio. Nesse dia, você vai comer doces e uma orelha-de-gato dormida, saborear seu café com leite e muito açúcar, do jeito que gosta, e esperará pelo ônibus 705 que leva até o Terminal PROEB. Como de costume, você cumprimentará o motorista e o cobrador, os únicos aparentemente alegres dentro da condução. Seguirá até o seu trabalho, abrirá a loja, dirá 'Bom dia' em voz clara, então, passadas três horas na loja de confecções femininas em que atua como caixa, virar-se-á para a janela e perceberá que a rua está vazia. Silêncio. Como era de se esperar de uma pessoa como você, você ficará surpreendida, e isso logo se estampará em sua face avermelhada pelo sol. Curiosa, correrá até a porta, visualizando com olhos panorâmicos, uma imensa multidão se aconchegando na beira-rio da Avenida Castelo Branco. Você não hesitará em acelerar os passos e entrar para a estatística da quantidade de pessoas reunidas para algo desconhecido. Você procurará alguma resposta através dos olhares, mas estarão todos voltados para o rio. Na fadiga, da busca sem diálogo, você indagará a um andarilho que estará ao seu lado: O que está acontecendo aqui? Ele, sem muito enfeitar a frase, falará: Uma data especialmente registrada para a morte oficial de todas as capivaras: Dia dezessete de fevereiro de dois mil e quarenta e três. Não sabias? Você perderá o fôlego e para via das dúvidas, cairá sobre o asfalto reanimando-se nos braços do seu amor, em seu apartamento. Deitará sem assistir a televisão, nem mesmo conectando a internet e verificando os e-mails coloridos de suas amigas. Dormirá para iniciar o dia dezoito de fevereiro de dois mil e quarenta e três, suculento de novidades. Você não estará feliz pelo acontecimento. Não ficará feliz com as notas dos jornais, e também não fará nada para transformar o mundo. Com o tempo, as suas rugas estarão muito mais evidentes, sua caminhada será mais lenta e os ônibus, praças e eventos lhe reservarão espaço preferencial. Num dia desses, você não abrirá as pálpebras. Não vai repetir, e também não fará nada para transformar o mundo. Com o tempo, nascerão muitas pessoas, com vidas idênticas a sua, e algumas destas notarão que há muito tempo atrás já existiam pessoas parecidas com vocês. Entre estas ainda, terão poucos que tatearão até ouvir ecos de um retorno, eterno retorno da humanidade. Silêncio.
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
Silêncio
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