quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Esmalte para disfarce

Miseráveis com migalhas de pão.
Ninguém chora por eles
Lacrimejam o fracasso
no descaso do outro
O outro é tu, em ti?
E a metáfora do coração?
Abandonaram a estação
E a primavera se foi antes da despedida.
Aguardo o inverno
Porque o outono se alegra
E os veraneios sonham.
Onde é a estação para o espaço?

Miseráveis com grandes porções.
Ninguém chora por eles
Zombam da lágrima supérflua
no féretro da viúva morta
A viúva é tu, em ti?
E a descoberta da evolução?
Deserdaram a esperança
E a vontade desmaiou feita preguiça.
Teimo por esperar
Porque o sorriso gargalha
E os sonhos cantam.

Quantos cadáveres por hoje?
O corpo feminino se transforma.

Notas de piano, tu ouves?
Pingos de chuva, tu sentes?
Pássaros coloridos, tu vês?
Telas em muros, tu enxergas?

Ela exalou fragrância de flor
O aroma em harmonia com
os bicos finos dos sapatos
O couro surrado conduz à face
E a união do corpo a dispõe
Em nu vestido preto.
O eco da noite a estremece
O álcool da madrugada a aquece
E na manhã seguinte ela esquece
Da prece, da promessa, do enlace:
Esmalte para disfarce.

domingo, 28 de dezembro de 2008

sábado, 27 de dezembro de 2008

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Grade

Meu café com leite estava amargo naquele dia. Acordara farejando cafeína adocicada. Eu devia saber onde estava o açúcar. Enlouqueci procurando-o, e nada. Engoli gota por gota naquela proporção amarga, coçando a garganta e esquentando o corpo, como uma donzela em trapos velhos. Gargalhei sem saber, despertando o canário da gaiola. Há muito eu me tornara seu despertador e amiga, por sempre prometer sua liberdade. Todas as manhãs o canto daquele animal encoberto de penas, levava-me a uma transcendência inexplicável. Junto do meu café, o canário era o meu melhor companheiro.
Saí dalí, encontrei uma mulher pálida e sombria no espelho embaçado do banheiro. Os olhos fixos dela, fixaram os meus. O canário parara de entoar suas canções doces. O silêncio era total e a umidade tomava conta do azulejo do banheiro. O tempo virou as costas para nós, e o espaço se limitava ao espelho. Tranquei a porta e sentei-me no piso gelado, a mulher desaparecera. Levantei-me e tornei a tocar nas chaves que fecharam a porta, retirei-as da fechadura e as joguei na privada. Olhava para trás e aquela mulher lá estava, estranha, inerte, sozinha. Virei-me novamente e apertei a descarga, sem medo. O barulho da descarga trazia-me lembranças tão alegres, de uma vida feliz. Um sorriso espontâneo se fez em minha boca que sustentava o cheiro do café com leite amargo. Havia um tempo em que existia água, essa era a frase que persistira em minha mente e que nunca conseguira compreender.
Tudo se limitara a água e esgoto: o café, o canário e eu. Até mesmo a gaiola e o banheiro. Eu não suportara saber que houve um período na história da humanidade, em que seres humanos se utilizavam de água potável para suas necessidades básicas.
Deitei-me no piso de temperatura baixa, vagarosamente minhas pálpebras deslizaram e adormeci abraçada a um rolo de papel higiênico, o único objeto que me acompanhou até a ala dos loucos no hospital assustador da cidade. O único com quem pude confidenciar as incertezas da vida sem as abundâncias do passado. Eu seria normal, se não admitisse minha obcecação pelo improvável, provisório, incerto, impreciso. Eu seria normal, se não tivesse repetido a cena e não intervisse no final: Um eco prometendo a minha liberdade, mas desta vez ninguém arrombou a porta.

Beli

domingo, 21 de dezembro de 2008

sábado, 20 de dezembro de 2008

Morte


Olha-te no espelho.
Não vês que estás secando?
Não percebes os orifícios da pele?
Não notas tua voz envelhecida?
E teu olhar...quando foi a última vez que brilhou?
A cada dia, um dia a menos.
Por que insistes na imortalidade?
Por que vives para sempre?
Morra.
Morra.
Morra.
Morra!
E viva para o doce sabor de tê-la por perto.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Pescador de Luz


Era de manhã. Ele havia bebido e estava jogado ao asfalto com a garrafa vazia ao lado. Seu corpo refletia a luz do sol. Seus cabelos estavam duros, suas unhas mal feitas, esfiapadas, seus pés descalços e seus olhos arregalados. Sua pele era tão branca quanto a luz por entre as nuvens daquela manhã misteriosa. Suas roupas baratas, furadas e esgaçadas, e uma gravata cor-de-rosa enrolada, intacta no pescoço. Coragem eu tive em desenrolá-la e ler a mensagem deixada: Eu quero estar no mar, no mar...quero encontrar a luz do sol. Detectei: um pescador, pescador de luz. Estava alí, cadáver de sua alucinação, herói de seus eus, construtor do imaterial eterno. Morto.



Beli

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A última gota
















O que há?

O que há falta?
O que aconteceu?
O que poderia ter sido evitado?
O que é isso?
O que é aquilo?
O que fazer?
O que?
O que é?

- A última gota.

A última gota espera!
A última gota à espera!
A última gota desespera!
A última gota recupera!
A última gota seca, seca!

A última gota deslizou
em rostos dramáticos.
Simpáticos, apáticos,
sarcásticos, estáticos:
Drástico!

A última gota despencou
em joãos-de-barro.
Carros, berros,
sarros, catarros:
Arro!

A última gota de pó colorida
Marrom no verde
Verde, branco, cores
Cores, cores, cores:
Luz.
Sede.
Gota.

Luz para a re-volução...
Sede de re-construção...
Gota de re-formação...

Fadiga de tragédia:
re-viver!