domingo, 19 de setembro de 2010

Sobre a sobriedade cotidiana

Por conta desta minha modernidade eu deixei de te escrever à meia-noite para dizer coisas banais. As estrelas, a lua, as folhas, os cascos. Todas aquelas palavras com significados abstratos.Deixei de contar as flores vermelhas pelo caminho. De anotar quantos senhores de cabelos cinzentos balbuciavam enquanto eu levava comigo meu olhar esnobe sobre as coisas materiais. 


"São as coisas da vida".


Por conta desta minha tecnologia enrustida eu esqueci algumas faces. Afundei lembranças, senti medo do arrepio, corri na faixa de pedestre sem perceber que era minha vez. Nem olhei para trás quando o moço cantarolava em sua bicicleta. Nem para cima quando a chuva estilhaçava sonhos sobre minha cabeça. Também deixei de assistir TV, ler jornais, comprar e comparar revistas. Prendi no sono e acordei sobre uma tábua esverdeada. Caí na escada e caíram os documentos.


"É a lei da gravidade".


Ora, as imagens diluíram-se em azulejos da mesma cor. Os rostos todos em 3X4. A lógica dividiu três em quatro. E as empresas continuaram a terceirizar.Eu continuei escrevendo coisas banais às sete da manhã, ao meio-dia e às seis da tarde.


"Como você está?"

Um comentário:

Anônimo disse...

E eu acordei as 8 da manhã e quando descia no elevador, ele parou no setimo andar. Entrou ao meu lado um senhor com cabeça de cavalo e logo depois dele uma senhora no sexto, com cabeça de largatixa. Começaram pois a relinxar, naquela manhã de quinta feira, e a sibilar coisas em seus tons cotidianos e enfadonhos. Quatro vezes eu pensei sobre o que fazer, e chateado com tudo aquilo desci antes, no terceiro andar e terminei pelas escadas. Peguei as duas cartas na caixa de correio e joguei uma fora. Era apenas propaganda, propagando essa contagem regressiva ao vazio do cotidiano.