quinta-feira, 29 de abril de 2010

Sono carrasco

Eu sonhei que estavas morto. Acordaram-te com uma agulha. Agulhadas de lágrimas coloridas. Eu o vi no caixão com os dedos duros. Ele estava morto com os cabelos cinzentos.

Eles estavam todos mortos com as mãos apertadas derramando terra.

E também sonhei com elas. Estavam vivas e sorridentes sobre uma colcha de cetim. Contavam-me os anos passados e futuros. Um buquê de flores no bidê escondendo o abajur. Uma malícia adocicada de vinho. Então adormeci, pois não sabia proceder ali.

Eu como adorno.
Como a dor no
Prato da alma.

terça-feira, 27 de abril de 2010

De que valem as ruínas sem risco?

De que vale uma vida vazia?

Palavras sugadas,

Enxutas, expostas ao sol.


De que vale uma vida romântica?

Palavras seguras,

Capciosas, cretinas.


De que valem as mãos sobre a cabeça?

A cabeça sobre o chão

O chão fincado nas mãos

O afinco afiliado de solidão?


De que vale o pássaro voar?

Os aviões também?

O céu azul?

A matemática?

Os arrotos intelectuais?

As elucubrações poéticas?

Os noticiários?

Os rincões inabitáveis?

As telas?

As celas?

As células e seus núcleos?


De que valem as palavras?

A língua?

A minha, a tua?


De que valem os organismos indóceis em terra firme?

Os muros?

A imensidão?


De que valem os sonhos sem ossos e a imaginação sem corpos?


terça-feira, 13 de abril de 2010

Fuga


Penso,
Logo lamento.
Logo choro
Num arrebento
Num coro
Dum sentimento
Dum lago
Sem vozes.
Cem doses:
Goles secos
Sabor sangue
O céu firme
A “terra em transe”.

Tragédia, violência e viola
Violar a comédia em virulência
Virtuosos despidos da doença
Engolem o pó que a vida acalenta.

Penso,
Logo grito.
Logo esparramo
Num infinito
Num murro
Dum rito
Dum apachismo
Sem doses
Cem vozes:
Berros secos
Sabor sangue
O céu firme
A “terra em transe”.


Tragédia, violência e viola!
Tragédia, violência e viola!
Tragédia, violência e viola!

O cachimbo
O vento de solidão
Os sinos
As palavras que se repetirão
Solidão.
Solidão.
Solidão.

Não há tolhimento na virgindade da juventude
Mas ela continua virgem!

Não há nudez tão bela quanto às vestes da juventude
Mas ela continua vestida!

Tão ambígua
Tão pueril
Tão cretina!
Que já desistiu:
Dependência ou morte?
A comédia em cartaz no mês de Abril!

Não penso,
logo abdico.

Nem reflito, nem desejo, nem crio.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Os pêlos são a proteção

Estou nua.

Incompleta,

Tinta e Estilete
estilhaçam o estilo

Tinteiro.

Meia

idade

Grisalho

Alto

Meio

Gordo,

Meio,

Curioso.

Boina

Casaco

Listrado

Sotaque

Jogado.

Transeunte.

Observador

Perguntou

Sobre

Mim,

Sobre

minha

História,

minha

vida.

Pouco

respondi

Ele

interviu.

Ouvi

Sobre

sua

História,

Sua

vida.

Física

Quântica

Matemática

Quanta

Química,

pensei.

Fitou-me

Olhos

Escuros

Convictos

Voz

Doce

De

Corpo

Amargo.

Que

Lhe

Basta

A

Alma

Da

Outra

Para

Lhe

Mediar

O

Sabor.

Aproximou

Franziu

A

Testa.

Distanciou

Para

O

Nunca.

Na

Porta

O

Corpo

Dele

Regressou.

Um

Sorriso

Fundido

Com

As dobras

Do

Rosto

Dobrou

O

Joelho

Inclinou

A

Cabeça:

“Viver

é

um

barato!”